domingo, 11 de abril de 2021

(à clementina)

sem nenhum direito
reivindico ser também
marinheiro só
(perdoem-me o desrespeito).

a solidão construí
saturnino, com o
meu jeito de
terceira margem.

marinheiro não fui
(sempre preferi o
interior d'água)
mas foi o balanço do mar
que m'ensinou a dançar
e acho, penso, sinto
que vale, apesar de
dançar como quem
me afogo.

sábado, 10 de abril de 2021

(à coca-cola)

que me permita
fernando pessoa
(o publicitário)
a correção
romântica:

primeiro estranha-se
depois entranha-se
depois estranha-se
depois extirpa-se

quarta-feira, 7 de abril de 2021

 não tenho saudades
mas me retornam lembranças
como evidências de que já
estive em outros lugares, com
outras pessoas. sou contra
"relembrar é viver", é um erro.
relembrar é ter vivido
a lembrança é o oposto da vida
elenca-se a vida nessas ações
de que um dia tomei parte, e não
são mais.
essas são as coisas que fiz
as coisas que fiz não são as coisas
que eu sou. as coisas que eu sou
não se relembram, se entranham
na carne, nas fibras do corpo
que reage, muitas vezes, antes
da lembrança saber. o nojo:
me faz mal essa pessoa, mas
não lembro porquê.
o corpo sabe

e diz: você não
é um refluxo
uma maciez no ventre
uma pontada na têmpora

"você não"

mas agora, aqui, assim,
dada a conjuntura, e o final
do mundo, dado o apagar
da fagulha de vida no universo,
os fins das matas, o holocausto
dos animais, dada a situação
econômica e também as taxas
de desemprego, de juros, a
inflação, o preço do quilo do
arroz, a fatura do cartão que
não vai virar nunca, o cheque
especial, o aluguel, e viver de
aluguel para sempre, dada a
situação política, e a oposição
também - é claro - e dada
a planificação da alma e a
completa perda de fé em tudo
na salvação, na vida, nas palavras
dado tudo isso, tudo isso pesado,
mesmo sem perdão (e não ache
que eu te perdôo [eu não te
perdôo {meu corpo diz: "você
não"}]) eu lembro de você
e por quinze minutos, não mais
que isso, você talvez, quando
fomos felizes, o que importa?
talvez, por só quinze minutos,
cronometrados, sem um segundo
a mais, quem sabe, por que não?,
você sim.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

paper love

teu corpo é muito leve
e se deixa levar pelo vácuo
das pessoas que te cruzam.
aqui vem uma, e lá te vais:
e o espaço que ocupavas
está vazio, não tem mais
nem a tua rasura.