segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

este arrepio n'espinha
ao teu desassossego,
teu pé que desaninha
o dia, e o desapego

da noite; és selvagem
com'a tarde de domingo,
forças-me à coragem
d'enfrentar o tédio imigo --

és-me gelo pelos ossos;
mirada a que me acosso
feito não fostes fumaça.

solidificas nos abraços
como se esses'tilhaços
fossem o que me enlaça.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

daqui os teus olhos vieram,
escavados da terra, pérolas
d'areia, das que cresceram,
também, entre ouro amarelo

do colar da tua vó. o papel
da pele é o mesmo, mas
tu desenhas-te, e ela, fiel
ao tempo, é frágil às chamas

dos dia. és o retrato vivo
do passado, pintura que pulsa
a possessão do que era altivo.

és as cinzas em carne avulsa,
o retorno do ontem esquivo
qu'o presente do peito expulsa

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

és-me o destino ao fracasso.
és meu desatino, meus erros,
lista de tudo que m'é escaço,
meu contudo, meus encerros.

és me a vírgula, primeiro,
pausa mácula do meu ritmo.
não és final, o ponto inteiro,
o completo, imortal no íntimo.

teu parêntesis é o efêmero
acoplar que é nada, mero
gênesis que não fecunda.

o mar que, quando fores,
será tormentoso e alhures
e'm qu'a minha nau afunda.
és-me a raiz do desejo
sem flor. és o mármore
que enrijece, ao cortejo,
de dor. és-me a árvore

sem sombra, e a fruta
que me falta à boca.
és o segredo de muita
coisa, mas és tão pouca.

o silêncio entr'as folhas
tu corrompes; arrolhas
a noite, com'um vinho -

tudo em ti afasta longe,
e 'ranca a dor que finge
seres, tu, um só caminho.