(para dona néia)
o luto revela segredos
sobre as palavras.
as palavras não usam
camisas de linho,
não têm redemoinhos
no cabelo (como o do
meu pai) [como o meu]
as palavras não fazem
batata-frita para os netos
não passam pelo canteiro
de rosas para dar tchau
com as mãos enrugadas,
as mãos que bordam,
que fritam batatas,
que apontam o lugar na mesa
que é o lugar que ela decidiu
em que cada um se sentaria
para articular a harmonia
do almoço.
o que as palavras fazem
é mostrar onde está a dor
é achar na gente um novo
lugar onde podemos sentir
uma coisa nova.
elas cavam a dor, cada
vez mais funda
"ela descansou"
"se foi", "faleceu"
"morreu"
palavras usadas para tatear
pouco a pouco
a dor real, além da conta
delas, dessas letras
assim enfileiradas
que podem ser as mais lindas
as melhores palavras
(como "vó")
mas que não dão conta de que nessas horas
o amor
que está lá
que sempre esteve
parece estar indo numa única direção
e não sentir ele voltar
enche a gente de vontade
de ir junto com ele.